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quarta-feira, 19 de julho de 2006

Um intérprete de grandes papéis

Televisão
No teatro e no audiovisual, Raul Cortez deixou sua marca em obras que marcaram época
Luiz Carlos Merten - copiright O Estado de S. Paulo

Raul Cortez foi, acima de tudo, uma poderosa presença no palco, como sabem todos os que tiveram o privilégio de vê-lo atuar, mas também deu sua contribuição ao audiovisual brasileiro. Foi um ator de grandes papéis na TV e no cinema. É curioso como alguns dos maiores atores do País, Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Raul Cortez, conseguiram (conseguem) trafegar entre as exigências dramáticas do teatro e o naturalismo da TV, talvez porque eles não sejam, no limite, naturais como seus colegas de elenco em novelas. Fernanda, na recente Bia Falcão de Belíssima, mostrou como deve ser uma vilã de TV, com uma composição notável, embora o texto de Sílvio de Abreu não a tenha ajudado muito no desfecho, que andou ganhando elogios exagerados.

Com todo respeito que possa merecer Décio de Almeida Prado, virou motivo de piada uma frase do lendário crítico do Estado, que disse, comentando a atuação de Cortez em Eurídice, de Jean Anouilh, em 1956, que ele não merecia um lugar no teatro brasileiro. Ainda bem que ele perseverou e o próprio Almeida Prado terminou reconhecendo (e elogiando) o ator em que Cortez se transformou. Em 1957, Cortez participou de seu primeiro filme - Pão Que o Diabo Amassou, que o italiano Marcelo Basaglia realizou em São Paulo, com Jayme Costa no papel que Paolo Stoppa faria no cinema, se o diretor tivesse concluído o projeto em Roma. O elenco do filme é quase um who’s who do teatro paulista da época, o que explica, em parte, seu tom carregado e o escasso sucesso de público.

Passaram-se sete anos até que Cortez voltasse aos sets de filmagem, o que ocorreu com a adaptação que Anselmo Duarte fez da peça Vereda da Salvação, de Jorge de Andrade. Duarte construiu seu filme em elaborados planos-seqüências, valorizando a continuidade das interpretações. No livro que lhe dedica a coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado, o cineasta afirma que escolheu o ator para interpretar Joaquim porque ele vivia uma crise de identidade sexual e isso favorecia a trama sobre misticismo e repressão. Não há muito o que dizer sobre O Anjo Assassino, de Dionísio Azevedo, baseado na novela A Outra Face de Anita, de Ivani Ribeiro, mas o filme que Cortez fez em seguida, em 1967, é um dos melhores dos anos 1960 (e de toda a história do cinema brasileiro) - O Caso dos Irmãos Naves, de Luiz Sérgio Person, sobre o clamoroso erro judiciário que permitia ao cineasta discutir, a partir de um episódio do Estado Novo, a máquina repressiva do regime militar.
Nos anos seguintes, Cortez filmou muito, mas fez muitas vezes escolhas equivocadas, de quem não encarava o cinema como prioridade. Não lhe faltam no currículo nem mesmo pornochanchadas. Alguns filmes se destacam - Capitu, de Paulo César Saraceni; Os Trapalhões no Auto da Compadecida, de Roberto Farias; Jardim de Alá, de David Neves; A Grande Arte, de Walter Salles; e Cinema de Lágrimas, de Nelson Pereira dos Santos. Faltou Em 2001, sob a direção de Luiz Fernando Carvalho, ele completou a santíssima trindade de seus grandes papéis no cinema - Lavoura Arcaica situa-se no mesmo plano de Vereda e Irmãos Naves. Adaptado do livro de Raduan Nassar, com belíssima (um tanto exagerada) fotografia de Walter Carvalho, Lavoura ofereceu a Cortez um impressionante papel de pai autoritário. Suas cenas à mesa, tiranizando a família, pertencem à história, o que não representa uma adesão incondicional ao filme. Ao contrário do que disse o crítico, Cortez cavou, sim, seu lugar no teatro e no audiovisual brasileiros.

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