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sexta-feira, 21 de julho de 2006

Histórias de Guerra

Dor

Em causa, o seqüestro do Líbano
Por Amir Labaki21/07/2006 Copiright Valor Econômico

Desculpe-me o leitor, mas há quase nada de cinema ou documentário nesta coluna. Passei a última semana tomado por crescente mal-estar, diante da reaceleração da barbárie no Oriente Médio, em mais um episódio da era do terror que pautou o último É Tudo Verdade. Se você está num navio afundando, seus pensamentos serão sobre navios afundando, escreveu certa vez George Orwell.

Beirute sob fogo: resposta contraproducente, excessiva, desequilibrada, desumana

Meu avô paterno era libanês. Morreu muito antes de meu nascimento. Cresci sem maior contato com aquela cultura, à parte alguns discos que legou a meu pai e a excelência da culinária árabe aprendida por minha mãe mato-grossense. Há uns dez anos, servindo no júri do Festival Internacional de Documentários de Marselha, França, fui saudado durante a entrevista coletiva por um par de jovens repórteres libaneses como o representante nacional entre os jurados. Minha origem brasileira era detalhe. Para eles, Amir Labaki é libanês, claro. Pouco importava que minha ascendência seja apenas um quarto libanesa, com um quarto espanhola, e o restante brasileiro e português.
Escrevo no sexto dia da nova ofensiva militar de Israel contra o Líbano. Contam-se 240 libaneses mortos, incluindo 5 brasileiros, e 551 feridos. A imensa maioria, civis.

O enviado da Unicef a Beirute, Roberto Limonti, classificou a situação como "ao mesmo tempo alarmante e catastrófica", com meio milhão de pessoas em fuga. Aeroportos, pontes e centrais elétricas foram alvos prioritários. O ataque é o pior desde o fim da longa guerra que destruiu o Líbano entre 1975 e 1990, exatamente no momento em que o país começava a se reerguer dos escombros.
A nova guerra do Líbano parece atrasar os relógios da região em ao menos duas décadas. Sepulta, sabe-se lá por quanto tempo, as tentativas de saída negociada. O mapa para a paz esboçado em Oslo, em 1995, ainda durante a era Bill Clinton, em que israelenses e palestinos acertaram concessões mútuas e um redesenho dos respectivos territórios, é hoje outra utopia descartada pela brutalidade da história.
A justificativa para a retaliação foi a desvairada e cruel ação do grupo radical islâmico xiita Hezbollah, que invadiu o território de Israel, matando três e seqüestrando dois soldados. A intenção seria trocá-los por presos libaneses em Israel.

É uma história longa e complexa. Criado em 1982, em meio à guerra no Líbano e na esteira da revolução de Khomeini no Irã, o Hezbollah (Partido de Alá ou de Deus ) sonha com um futuro Líbano islamizado, em favor do qual atua por meio de um partido político legal, defende um Estado palestino e milita pela destruição do Estado de Israel, sob ataque constante por seu braço armado, cuja extinção é exigida pela ONU (Resolução 1559, de 2004).

Além de 23 dos 128 deputados no Parlamento, o Hezbollah conta com dois ministros no atual governo libanês, que não simpatiza com o grupo, mas não endossou nem condenou o ataque seguido de seqüestro. Os maiores aliados do Hezbollah são, estes sim, os regimes despóticos da Síria de Assad e do Irã de Ahmadinejad.
Apoiado pelos EUA, o ataque israelense visa destruir as bases libanesas do Hezbollah, e, assim, reduzir os atos de terror contra Israel. As centenas de mortes civis e a destruição da infra-estrutura do país vizinho são, no jargão, danos colaterais.
Além de potencialmente contraproducente, é uma resposta excessiva, desequilibrada e desumana. Não é esta uma leitura exclusiva da Liga Árabe e dos principais lideres europeus. Opositores israelenses também a assinam.

Um deles, o documentarista Avi Mograbi ("Agosto"), alimentou minha caixa de e-mails com diários de vitimas libanesas na última semana. Não há espaço aqui para citá-las. O tom é ainda mais desesperado que as reportagens enviadas do Líbano por Robert Fisk ao diário britânico "The Independent". Quem quiser conhecê-las pode me escrever no e-mail ao pé da coluna.
Prefiro convidá-los a ler a opinião de um observador neutro e iluminista, o escritor peruano Mario Vargas Llosa. O autor de "A Guerra do Fim do Mundo" visitou o Oriente Médio no final do ano passado, publicando uma série de artigos no diário espanhol "El País". Detentor do Prêmio Jerusalém de 1995, Vargas Llosa voltou ao assunto no mesmo jornal na última semana, ainda nas primeiras horas da ofensiva israelense, em artigo republicado aqui pelo caderno "Aliás", de "O Estado de S.Paulo", no domingo passado.
Permitam-me encerrar esta coluna com um trecho certeiro, que resume a tristeza e a perplexidade que a originam. Assim escreveu Vargas Llosa:

"Minha adesão a Israel é inseparável daquele compromisso (com democracia e liberdade), como é o caso de tantos israelenses, que, como Illan Pappe, Gideon Levy, Amira Hass ou Meir Margalit, mas sem dúvida de forma mais radical, denunciam as políticas de seu governo em relação aos palestinos e propõem alternativas. É verdade que eles representam uma minoria; essa nuance que os adoradores das verdades dogmáticas desprezam. Nem mesmo sei se estou de acordo com todas as posições defendidas por eles. Provavelmente, não. Creio, por exemplo, que o sionismo tem algumas razões que não podem ser descartadas abstratamente, sem se ter um contexto histórico preciso. Mas o fato de que eles, e muitos outros, estejam na contracorrente, se opondo de forma tão resoluta ao que consideram ser políticas equivocadas, contraproducentes ou brutais e que possam fazê-lo sem ser perseguidos, presos ou mortos como ocorreria em quase todos os outros países da região, é uma realidade que ainda mantém viva minha esperança de mudanças em Israel e que, de novo, se possa chegar a um acordo razoável, pondo um fim a esta infinita hemorragia de dor e sangue".

Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários.
E-mail: labaki@etudoverdade.com.br
Site do festival:
www.etudoverdade.com.br

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